texto de Irene Rizzini e Renata Brasil
No Rio de Janeiro, a primeira escola foi ocupada no dia 21 de março de 2016. As constantes investidas da direção do Colégio Estadual Prefeito Mendes de Moraes, na Ilha do Governador, zona norte da cidade, contra a organização e a mobilização dos estudantes em favor da greve dos professores, iniciada em 02 de março de 2016, parece ter sido o estopim da onda de ocupações que hoje já contabiliza mais de 70 escolas ocupadas.
Nem mesmo as ameaças de desocupação forçada pela Justiça, com intervenção da polícia, refrearam o movimento. Inspirados pela greve dos educadores e pelas ocupações de escola ocorridas em São Paulo e Goiás no ano passado, o #ocupaescola impressiona pela capacidade de organização e de articulação de seus protagonistas. Acostumados a perder aulas por falta de professores e a frequentar turmas superlotadas em instalações precárias que carecem de reformas urgentes, os adolescentes estabeleceram uma pauta que não só denuncia as péssimas condições das escolas públicas no estado, mas que também aponta a necessidade de reformulação do sistema de ensino atual. Críticas ao currículo mínimo e à avaliação bimestral dos alunos através da aplicação do chamado Saerjinho, que bonifica escolas e professores com melhor desempenho, ocupam espaço importante neste debate. O passe livre, hoje limitado pelo Riocard, e as eleições diretas para a direção das escolas, indicada pela Secretária de Estado de Educação do Rio de Janeiro, complementam a pauta das ocupações claramente voltadas para a democratização do acesso à educação pública de qualidade.
O cotidiano dos colégios ocupados é organizado em comissões responsáveis por atividades culturais, de alimentação, de limpeza, de segurança, entre outras. As decisões são tomadas coletivamente em assembleias e não há lideranças. Alguns colégios realizam grandes aulas públicas, aulas pré-vestibulares, oficinas e debates que contemplam temas de grande relevância social, como o assassinato de jovens pobres nas favelas e a questão da violência contra a mulher. Os estudantes buscam construir a identidade de seu movimento e garantir que suas vozes sejam ouvidas e seus direitos respeitados. A falta de diálogo entre a gestão pública e a juventude, sobretudo uma parcela de crianças e jovens que vêm sendo privada de perspectivas positivas de futuro, parece estar na raiz do problema.
Apesar das dificuldades de entendimento, vitórias importantes foram alcançadas. O secretário estadual de educação do Rio de Janeiro, Antonio José Vieira Neto, admitiu a legitimidade do movimento e reconheceu os problemas estruturais enfrentados pelas escolas públicas. As provas do SAERJ foram reduzidas de quatro para duas, as eleições diretas para diretor das escolas foram aprovadas e o governo se comprometeu a realizar reformas na infraestrutura dos colégios. Entretanto, ainda preocupados com o corte das verbas destinadas à educação, que caíram de 10,7 bilhões para 7,8 bilhões entre 2015 e 2016, os alunos não parecem prontos para voltar às aulas. Hoje são mais de 1.200 alunos ocupando escolas e mais de 49.000 sem aulas, segundo matéria publicada no site brasileiro do jornal El País, em 02 de maio de 2016.
No dia 19 de abril, foi noticiado que as escolas ocupadas teriam suas férias antecipadas para maio, mas isso não interrompeu as negociações entre o Comando das Ocupações e a Secretaria de Estado de Educação (Seeduc). Na audiência de conciliação realizada na 2ª Vara da Infância, da Juventude e do Idoso, a Seeduc afirmou que repassará cota extra de até R$ 15 mil para cada unidade para que sejam realizados reparos e manutenção; abonará as greves ocorridas entre 1993 e 2016; e suspenderá os descontos da greve deste ano. Além disso, a partir de 2017, Filosofia e Sociologia passam a ter dois tempos de aula no 1º ano do Ensino Médio. Nesta reunião, que contou também com a participação da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, foi definido ainda um calendário de negociações acerca de oito temas da pauta de reivindicação dos alunos. A primeira reunião será na próxima sexta-feira (13/05) e a última está prevista para 24 de maio, na sede da Defensoria Pública. Os estudantes e assessores técnicos da Seeduc vão debater temas como gestão democrática, infraestrutura e climatização, Sistema de Avaliação da Educação do Estado do Rio de Janeiro, inclusão, bilhete único, alimentação e currículo, entre outros.
Paralelo a essas negociações, o governo estuda como reagrupar os alunos que querem continuar com as aulas em outros centros e até criar escolas provisórias. Além disso, as ocupações sofrem com o movimento “desocupa”, normalmente puxado por diretores, que reúnem pais e alunos insatisfeitos para fazer pressão pela saída dos secundaristas.
Seja qual for o desfecho das próximas negociações, esses jovens aprenderam, na prática, lições sobre política, cidadania, organização e convivência. Essa nova forma de ocupação do espaço escolar, pensada e criada a partir da experiência dos próprios estudantes, vem permitindo que experimentem a educação como uma prática democrática, comprometida em difundir um tipo de conhecimento que não se limita aos contornos tradicionais, mas que assegura aos estudantes um papel ativo na construção de suas próprias práticas sociais. As já vitoriosas ocupações terão como principal legado a valorização da participação de alunos, professores e da comunidade local nos processos políticos que envolvem a construção e a gestão do sistema educacional brasileiro.
Texto de Irene Rizzini e Renata Brasil
CIESPI, Centro Internacional de Estudos sobre a Infância, em convênio com a PUC-Rio