Foto: Agência Social |
Ao longo da nossa história, o Brasil cometeu um erro grave ao não priorizar o direito à educação para todos como principal pilar de um projeto de país. Esta decisão trouxe, e ainda traz, sérias consequências, como abordei em minha última coluna. Ela não apenas limita o desenvolvimento econômico e a qualidade de vida da população como contribui para a manutenção das desigualdades sociais que historicamente afligem, sobretudo, os mais pobres.
A comparação da evolução da escolaridade média do brasileiro com a de outros países demonstra o nosso atraso em ter uma política de Estado sólida para a área. Na década de 1970 mais da metade da população dos Estados Unidos já tinha concluído o Ensino Médio e pouco mais de 20% o Ensino Superior, enquanto no Brasil tínhamos menos de 2% e 1%, respectivamente. De 1950 a 2010, a Coreia quase triplicou a escolaridade média da população. E o Chile, nosso vizinho, possuía uma média de anos de estudo de 7,3 em 1985. Patamar alcançado pelo Brasil apenas em 2011.
Somente após a promulgação da Constituição Cidadã, em 1988, o Brasil começou a dar os primeiros passos rumo à universalização do acesso ao ensino fundamental. Nos anos 1990, com o Fundef, ampliamos o acesso ao ensino fundamental. Na década seguinte incluímos mais crianças na educação infantil e jovens no ensino médio e mais estudantes das camadas populares chegaram à universidade. A aprovação do Plano Nacional de Educação foi outra conquista e suas metas devem orientar as políticas educacionais até 2024.
Apesar destas conquistas, ainda há muito a melhorar. Quando defendemos que todos têm direito a uma educação de qualidade, significa que ninguém pode ficar para trás. Por isso, cada vez mais precisamos de políticas públicas focalizadas, conectadas às realidades e às necessidades de cada território, que enfrentem as diferentes formas de desigualdade.
É preciso lembrar que o sistema público de ensino atende cerca de oito em cada dez matrículas da educação básica e envolve mais de um milhão e meio de docentes. São essas redes de ensino que carecem de melhoria na infraestrutura, políticas de valorização docente, que inclui salários adequados, planos de carreira e forte investimento na formação inicial e continuada dos professores.
Frente à crise econômica, política e institucional, o país não pode permitir retrocessos. A sucessiva descontinuidade das políticas educacionais tem um impacto perverso. E o mesmo ocorre com propostas que são implementadas sem amplo debate e adesão dos educadores e dos diferentes setores da sociedade.
As políticas públicas precisam ser bem construídas a partir de consensos possíveis, estudos e com participação popular. Também é devem fugir da falsa dicotomia entre a melhoria da gestão e a necessidade de ampliação do investimento em educação. Ambas são necessárias, bem como o aperfeiçoarmos dos mecanismos de controle social.
Com a promulgação da PEC 55 (Proposta de Emenda Constitucional), que institui o novo regime fiscal e congela por 20 anos os gastos públicos federais nas áreas sociais, precisaremos uma união de esforços e muito diálogo para não deixarmos acontecer possíveis retrocessos e, ao mesmo tempo, avançar na agenda da educação pública.
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*Maria Alice Setubal, a Neca Setubal, é socióloga e educadora. Doutora em psicologia da educação, preside os conselhos do Cenpec e da Fundação Tide Setubal e pesquisa educação, desigualdades e territórios vulneráveis.